sábado, 22 de maio de 2010

RESERVOIR DOGS (1992)

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"Reservoir Dogs" (1992) [98'] [****]

Reservoir Dogs foi o primeiro filme do diretor Quentin Tarantino e nele encontramos o mais cru registro de algumas das principais características da sua obra até aqui, tais como: narrativa não-linear, diálogos inspirados e que chamam demais a atenção para si devido a sua usual desconexão com a trama, costumeiro uso de canções pré-existentes na trilha e a presença de extrema violência. Cabendo notar, entretanto, que tais características (incluindo a violência!) produzem geralmente um efeito líquido cômico, leve e superficial. O resultado aqui é vastamente positivo, repleto de energia e empolgação, continuamente reavivando o interesse da audiência e tendo na crescente ironia o seu principal trunfo dramático.

A narrativa trata do que acontece imediatamente antes e imediatamente depois de um malsucedido assalto, mas não o crime em si. Tal omissão, aliada a não linearidade subjacente, ataca a passividade do espectador, forçando-o a montar um quadro mental próprio do ocorrido, algo que também garante uma certa identificação com os bandidos, que recapitulam os acontecimentos ao seu modo, procurando entender os motivos do seu fracasso e o que fazer a respeito. A maior parte do longa ocorre então em uma armazém vazio e imundo que serve de ponto de encontro para os quatro assaltantes sobreviventes após o fato, conhecidos entre si somente pelos codinomes: White (Harvey Keitel), Orange (Tim Roth), Pink (Steve Buscemi) e Blonde (Michael Madsen). A suspeita da existência de um policial infiltrado no bando serve como natural plataforma ao lançamento de diversos flashbacks, que surgem sem aviso e explicam as circunstâncias da contratação de cada um para o serviço. Curiosamente, tais flashes não parecem se concentrar no desenvolvimento dos personagens, mais interessados em referenciar o gênero crime (não necessariamente a filmes específicos) e veicular os elaborados diálogos do realizador (emblematicamente, o policial infiltrado faz a sua preparação para a missão decorando uma espécie de roteiro).

A escolha dos quatro principais atores é essencialmente perfeita e eles não decepcionam em execução: Keitel como o consagrado veterano que naturalmente comanda o respeito dos mais jovens, o britânico Roth que tenta pertencer a um grupo ao qual de fato não pertence, o “óbvio” maluco Buscemi que ironicamente emerge como o mais centrado (e virtual único sobrevivente) de todo o bando e o boa praça Madsen que surpreende a todos como um sádico psicopata (sendo fascinante o quanto simplesmente demoramos para aceitá-lo como tal). A câmera de Tarantino se move livremente no amplo cenário do armazém, tornando o filme visualmente interessante, alternando entre uma abordagem “mais intensa”, de cortes frequentes, câmera na mão e planos fechados e uma outra, “menos intensa”, de cortes mais espaçados, movimentos mais rígidos de câmera e enquadramentos mais abertos. Particularmente belos são o plano em que a câmera recua lentamente para introduzir o personagem de Madsen e o plano final fechado na desolada face de Keitel em meio a “ensurdecedora” chegada dos policiais. 

Reservoir Dogs foi a empolgante introdução ao mundo de um cineasta americano que abraça gêneros apaixonadamente, não por necessariamente ter uma história a contar dentro de algum deles, mas simplesmente para festejá-los. Nascia então uma distinta “voz”, um realizador vibrante e entusiasmado, aparentemente não disposto a abrir mão de suas convicções. Algo bem resumido simbolicamente na auto-destruição final do bando, em meio a climática ironia do veterano bandido que coloca a sua lealdade ao informante acima dos demais. Uma atitude sem compromissos de um diretor que veio para ficar.

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